Vitor Fonsêca*
Boa-fé objetiva. O art. 5º. do CPC (“Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé”) prevê a boa-fé objetiva processual como norma de comportamento. Isso significa que o art. 5º. não exige a boa-fé como intenção (a chamada boa-fé subjetiva), mas como comportamento ou conduta (elemento objetivo). Enunciado n. 374 do FPPC: “O art. 5º. prevê a boa-fé objetiva”.
Quem deve comportar-se de acordo com a boa-fé. A redação do artigo é ampla e exige a boa-fé das partes, mas também de terceiros, de advogados, de auxiliares da justiça e de quem “de qualquer forma” participa do processo. O juiz, portanto, está incluído entre os destinatários da boa-fé. Enunciado n. 375 do FPPC: “O órgão jurisdicional também deve comportar-se de acordo com a boa-fé objetiva”. O STJ já aplicou a boa-fé inclusive para afastar ato do próprio tribunal: “Os princípios da cooperação e da boa-fé objetiva devem ser observados pelas partes, pelos respectivos advogados e pelos julgadores. É dever do Órgão colegiado, a partir do momento em que decide adiar o julgamento de um processo, respeitar o ato de postergação, submetendo o feito aos regramentos previstos no CPC/2015. Hipótese em que há nulidade no prosseguimento do julgamento, pois, com a informação prestada aos advogados de que a apresentação daquele feito seria adiada – o que provocou a saída dos patronos do plenário da Primeira Turma -, tornou-se sem efeito a intimação para aquela assentada” (STJ, 1ª. Turma, EDcl no AgRg no REsp 1394902/MA, Rel. Ministro Gurgel de Faria, julgado em 04/10/2016, DJe 18/10/2016).
Cláusula geral de boa-fé. O CPC não poderia prever todas as situações de comportamento para impor ou proibir condutas ligadas à boa-fé objetiva no processo. Por isso, o legislador preferiu utilizar-se de uma cláusula geral processual de modo a não ser necessário um rol de condutas.
Casos de aplicação da boa-fé. Não há uma enumeração legal de comportamentos proibidos ou impositivos em nome da boa-fé. Por isso, é preciso recorrer à doutrina e à jurisprudência para encontrar casos de aplicação da boa-fé objetiva processual. Entre eles estão: a) supressio – é a perda de um direito que não foi exercido com o passar do tempo. O exemplo clássico da jurisprudência é o da “nulidade de algibeira” ou “nulidade de bolso”. Exemplo: “O recorrente, autor de ação de exoneração parcial de alimentos, alega nulidade decorrente de vício de representação processual pelo implemento da maioridade civil de sua filha, ocorrida após já publicado o acórdão de apelação, contra o qual apenas ele, autor, se voltou com impugnações das quais saiu vencido. Não há nulidade sem efetivo prejuízo, devendo-se acrescentar que o recorrente tinha plenas condições de apontar o fato a que imputa causar nulidade desde seu implemento, valendo-se agora da alegação na tentativa de protelar a solução definitiva da demanda da qual saiu vencido” (STJ, 4ª. Turma, AgInt nos EDcl no AREsp 506.013/SC, Rel. Ministra Maria ISabel Gallotti, julgado em 06/02/2018, DJe 09/02/2018); b) proibição de venire contra factum proprium – é a proibição do exercício de um direito em razão de comportamento contraditório anterior. Exemplo: “A parte que escolhe o foro da propositura da ação e que recorre da decisão que declinou da competência de ofício não pode, posteriormente, pugnar pela modificação da competência territorial por ela própria fixada e defendida, em virtude da proibição de comportamento contraditório e do princípio do non venire contra factum proprium” (STJ, 3ª. Turma, REsp 1619289/MT, Rel. Ministra Nancy Andrighi julgado em 07/11/2017, DJe 13/11/2017). Enunciado n. 378 do FPPC: “A boa fé processual orienta a interpretação da postulação e da sentença, permite a reprimenda do abuso de direito processual e das condutas dolosas de todos os sujeitos processuais e veda seus comportamentos contraditórios”.
- Para saber mais: CRAMER, Ronaldo. O princípio da boa-fé objetiva no novo CPC. Normas fundamentais (Coleção Grandes Temas do novo CPC, v.8). Coordenação de Fredie Didier Jr. et al. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 197-211.
* Vitor Fonsêca é Doutor, Mestre e Especialista em Direito Processual Civil (PUC/SP). Secretário Adjunto do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Promotor de Justiça (AM).