Provas ilícitas e provas ilegítimas. A doutrina distingue provas ilegítimas e provas ilícitas. As provas ilegítimas seriam aquelas produzidas contra normas de direito processual. Por exemplo: a testemunha não é obrigada a depor sobre fatos a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo (art. 448, II, CPC). Por outro lado, as provas ilícitas seriam aquelas produzidas contra normas de direito material. O exemplo clássico é a prova obtida mediante tortura. “Para a violação dessas normas, é o direito material que estabelece sanções próprias. Assim, em se tratando da violação do sigilo de correspondência ou de infração à inviolabilidade do domicílio, ou ainda de uma prova obtida sob tortura, haverá sanções penais para o infrator” (AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas: interceptações telefônicas, ambientais e gravações clandestinas. 3.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 42-43). A distinção entre provas ilegítimas e provas ilegítimas já foi aceita pelo STF (STF, 1ª. Turma, HC 80724, rel. Min. Ellen Gracie, julgado em 20/03/2001). Do que foi dito, deve-se concordar que a diferença entre ambas está na origem da ilegalidade: as provas ilegítimas seriam aquelas com violações endoprocessuais (dentro do processo), enquanto que as provas ilícitas seriam aquelas com violações extraprocessuais (fora do processo) (FERREIRA, William Santos. Princípios fundamentais da prova cível. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 95-96).
Princípio constitucional da proibição das provas obtidas por meios ilícitos. O inciso LVI do art. 5º. da Constituição de 1988 prevê que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meio ilícito”. “Há na escolha uma clara advertência: não viole direitos, especialmente os assegurados por esta Constituição, para o fim de obter prova, porque essa será imprestável” (FERREIRA, William Santos. Princípios fundamentais da prova cível. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 97). Por exemplo: o Tribunal de Justiça de São Paulo afastou a interceptação telefônica realizada pelo réu a partir de conversa telefônica entre o autor e terceiros, por entender que, sem autorização judicial, o réu não poderia interceptar conversa telefônica alheia (TJSP, 3ª. Câmara de Direito Privado, Processo n. 90513, rel. Des. Waldemar Nogueira Filho, julgado em 02/12/2003).
Teoria dos frutos da árvores envenenada (ilicitude por derivação). Não são ilícitas apenas as provas obtidas por meios ilícitos. Também devem ser inadmitidos quaisquer efeitos decorrentes da prova ilícita, mesmo que indiretos. A esse respeito, o STF adota a teoria dos frutos da árvore envenenada (fruits of the poisonous tree): “Ninguém pode ser investigado, denunciado ou condenado com base, unicamente, em provas ilícitas, quer se trate de ilicitude originária, quer se cuide de ilicitude por derivação. Qualquer novo dado probatório, ainda que produzido, de modo válido, em momento subseqüente, não pode apoiar-se, não pode ter fundamento causal nem derivar de prova comprometida pela mácula da ilicitude originária” (STF, 2ª. Turma, HC 93050, rel. Min. Celso de Mello, julgado em 10/06/2008).
Provas obtidas por meios ilícitos e a proporcionalidade. É absoluta a proibição constitucional das provas ilícitas? Produzida uma prova ilícita, a única saída é necessariamente o seu desentranhamento dos autos? Não seria possível uma ponderação com outros direitos fundamentais? Há parte da doutrina que entende que a vedação das provas ilícitas é absoluta, sem possibilidade de mitigações. Por outro lado, outra parcela da doutrina entende que, fazendo uso de ponderação, pode-se amenizar a proibição absoluta do texto constitucional a partir da aplicação da proporcionalidade, “que deverá estabelecer os interesses veiculados no processo, as prioridades, a necessidade, a adequação e a prática da menor restrição para atingir o objetivo da justiça” (GÓES, Gisele Santos Fernandes. Princípio da proporcionalidade no processo civil. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 150-151).
Provas obtidas por meios ilícitos e a proporcionalidade no STF. Há um antigo precedente de 2001 do STF, em matéria penal, não admitindo a aplicação do princípio da proporcionalidade para afastar a ilicitude de gravação clandestina entre policiais e o réu: “Da explícita proscrição da prova ilícita, sem distinções quanto ao crime objeto do processo (CF, art. 5º., LVI), resulta a prevalência da garantia nela estabelecida sobre o interesse na busca, a qualquer custo, da verdade real no processo: conseqüente impertinência de apelar-se ao princípio da proporcionalidade – à luz de teorias estrangeiras inadequadas à ordem constitucional brasileira – para sobrepor, à vedação constitucional da admissão da prova ilícita, considerações sobre a gravidade da infração penal objeto da investigação ou da imputação” (STF, 1ª. Turma, HC 80.949, rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgado em 30/10/2001).
Proporcionalidade e estado de necessidade. No processo penal, já existe entendimento do STF aceitando a possibilidade de que as provas ilícitas (no caso, gravação clandestina) pudessem ser utilizadas em situações excepcionais. Nesse antigo precedente, o STF lembrou que o direito à privacidade não é absoluto e pode entrar em conflito com outros direitos. Por isso, com o uso da proporcionalidade, “é inconsistente e fere o senso comum – fonte última da proporcionalidade – falar-se em violação do direito à privacidade quando a própria vítima grava diálogo com sequestradores, estelionatários ou qualquer tipo de chantagista” (STF, Tribunal Pleno, HC 75.338, rel. Min. Nelson Jobim, julgado em 11/03/1998).
Estado de necessidade processual. Com base nesse entendimento aplicável ao processo penal, a doutrina utiliza-se da ideia de “estado de necessidade” do art. 24 do Código Penal (“Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se”), para aplicar a proporcionalidade em caso de provas ilícitas. Para tanto, entende-se que, para admitir a prova ilícita no processo civil, em caráter excepcional, seria necessário o preenchimento de requisitos mínimos previstos para o “estado de necessidade”: 1) possibilidade real e efetiva de formação de convencimento judicial contrário aos interesses da parte interessada na admissão da prova; 2) existência de prova obtida mediante violação a normas jurídicas cujo conteúdo seja decisivo para o resultado do processo; 3) sopesamento de bens jurídicos envolvidos no processo, cujo resultado seja favorável à admissão da prova questionada; 4) inexistência de conduta voluntária da parte que tenha impossibilitado a produção de outras provas ilícitas em seu favor (ROQUE, Andre Vasconcelos. As provas ilícitas no Novo Código de Processo Civil e o estado de necessidade processual. Processo de conhecimento: provas (Coleção Novo CPC; Doutrina Selecionada; v.3). Coordenação de Fredie Didier Jr. et al. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 353-360).
Interceptação telefônica no processo civil. Com ampla maioria, a doutrina entende que não é possível a interceptação telefônica no processo civil mesmo com autorização judicial. O fundamento é o inciso XII do art. 5º. da Constituição de 1988 ao prever que é inviolável o sigilo das comunicações telefônicas, salvo “por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”. No entanto, é preciso lembrar que é possível no processo civil: 1) a quebra de sigilo de dados telefônicos, ou seja, a “obtenção de registros existentes na companhia telefônica, sobre ligações já realizadas, data da chamada, número do telefone, etc.” (TJSP, 26ª. Câmara de Direito Privado, Apelação 0074289-89.2009.8.26.0000, rel. Andreatta Rizzo, julgado em 26/08/2009); 2) o uso da prova emprestada do processo penal, pois o STJ já se manifestou no sentido de ser admitido o uso emprestado, em ação de improbidade administrativa, do resultado de interceptação telefônica em ação penal (STJ, 2ª. Turma, AgRg no AgRg no REsp 1482811/SP, rel. Ministro Mauro Campbell Marques, julgado em 25/08/2015).
Provas (i)lícitas em ações de família. A seguir são resumidos alguns casos da jurisprudência brasileira sobre a licitude de provas em matéria de família. “Grampo” ilegal por um dos cônjuges. Em antigo precedente do STJ, discutia-se se o ex-cônjuge poderia ter feito um “grampo” ilegal (interceptação telefônica) sem autorização judicial. Naquele caso, o ex-cônjuge não participou da conversa telefônica, era um terceiro e mesmo assim “grampeou” a conversa da ex-mulher para provar um suposto adultério. O STJ, ao final, considerou a prova ilícita (STJ, 6ª. Turma, RMS 5.352/GO, rel. Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, rel. p/ Acórdão Ministro Adhemar Maciel, julgado em 27/05/1996). Gravação clandestina: durante a separação, o marido e a mulher discutiram durante conversa telefônica e, sem o consentimento do marido, a mulher gravou o diálogo em que o marido admitiu ter realizado alterações contratuais simuladas na empresa, transferindo parte de suas cotas ao irmão, assim como confessou ter alienado bens com o intuito de diminuir o patrimônio comum, impossibilitando, desta forma, a correta partição dos bens do casal. O tribunal admitiu que essa seria uma prova lícita, registrando ainda que: “É razoável a produção de prova oriunda de gravação de conversa entre marido e mulher, em que se utilizaram meios comuns, mesmo que um deles desconheça a existência da impressão sônica, uma vez que não há quebra da privacidade” (TJRS, 7ª. Câmara Cível, AI n. 70005967740, rel. Des. José Carlos Teixeira Giorgis, julgado em 28/05/2003). Quebra de sigilo de documento pessoal: durante a separação, a mulher visitou a filha na residência do ex-marido e descobriu agenda pessoal do ex-cônjuge. Ao manusear a agenda sem o consentimento do ex-marido, a mulher encontrou movimentações financeiras não declaradas durante a partilha dos bens do ex-casal. O tribunal entendeu que a cópia da agenda pessoal seria uma prova obtida por meios ilícitos e que não poderia ser usada em ação de separação do ex-casal (TJSP, 3ª. Câmara de Direito Privado, Apelação 0102527-89.2007.8.26.0000, rel. Des. Jesus Lofrano, julgado em 16/08/2011). Detetive particular: o ex-marido contratou um detetive particular e juntou aos autos o dossiê de investigação particular produzido contra a ex-esposa. O tribunal entendeu que esse tipo de prova é unilateral, sem observância do contraditório e da ampla defesa, e entendeu ser a prova ilícita (TJMG, 7ª. Câmara Cível, Agravo de Instrumento 1.0024.10.028729-1/003, rel. Des. Wander Marotta, julgado em 04/10/2011). Capturas de tela de Whatsapp: a captura de tela (printscreen) de conversas mantidas pelas partes via WhatsApp foi considerada prova lícita e é prova de indicação de paternidade para fins de deferimento dos alimentos gravídicos (TJRS, 8ª. Câmara Cível, Agravo de Instrumento n. 70074026790, rel. Des. Ricardo Moreira Lins Pastl, julgado em 14/09/2017).
Editado por Vitor Fonsêca @vitormfonseca