O binômio cognição-execução entre os modelos romano e germânico. O direito romano preferia entender que só se poderia executar forçadamente a pretensão após o exaurimento da cognição, ou seja, após o julgamento da causa. Após a fase de conhecimento, era o próprio exequente que poderia prender, vender ou até matar o executado. A cognição era pressuposto da execução que viria depois com a actio judicati (cognição → execução). Com as invasões bárbaras, os germânicos passaram a priorizar a execução, tendo em vista o não cumprimento da obrigação pelo devedor. Essa execução fundamentava-se em cláusulas executivas, obtidas em contratos ou em juízo, pelas quais o devedor aceitava expressamente ser executado caso não cumprisse a obrigação. Eventual discussão sobre a legalidade dos atos de execução ficava para depois e em caráter incidental (execução → cognição) (DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução civil. 8.ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 36-38, 56-58 e 119-120).
Autonomia do processo de execução. A partir do século XIX, acabou-se reconhecendo a separação do processo de conhecimento e do processo de execução. Dois fatores contribuíram para isso: 1) a admissão das ações declaratórias (por definição, não comportam execução); e 2) o aparecimento dos títulos executivos extrajudiciais (que dão lugar à execução imediata) (LIEBMAN, Enrico Tullio. Execução e ação executiva. Estudos sobre o processo civil brasileiro. São Paulo: Bestbook, 2004, p. 32-32). O binômio cognição-execução, em processos autônomos, foi geralmente adotado nos países de direito codificado. É preciso dizer, porém, que em muitos países a execução se inicia em caráter extrajudicial (Portugal, Alemanha) (CARNEIRO, Athos Gusmão. A dualidade conhecimento/execução e o Projeto de novo Código de Processo Civil. Execução civil e temas afins: do CPC/1073 ao novo CPC: estudos em homenagem ao Professor Araken de Assis. Coordenação de Arruda Alvim et al. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 90-96).
Cognição-execução e processo de conhecimento-processo de execução. Explica a doutrina que uma coisa é o binômio cognição-execução; outra coisa é a dicotomia processo de conhecimento-processo de execução. Ou seja: mesmo que os atos de conhecer e de executar sejam diferentes, não há necessidade lógica de processos autônomos. “As atividades de cognição e execução podem estar aglutinadas num mesmo processo, como ocorre na ação executiva lato sensu e na ação mandamental”, nas quais “os atos de atuação do direito declarado são realizados no mesmo processo em que se deu a cognição, havendo neles, portanto, a aglutinação do conhecimento e da execução” (WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. 3.ed. São Paulo: Perfil, 2005, p. 52-59).
Autonomia da execução e sincretismo processual. Mesmo antes do CPC/2015 e apesar da propagada ideia da autonomia da execução, já se discutiam manifestações do sincretismo processual nas ações executivas lato sensu, na execução dos efeitos da tutela antecipada e na exceção (ou objeção) de pré-executividade (MEDINA, José Miguel Garcia. Execução civil: princípios fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002). Passou-se a discutir mais amplamente a relativização do binômio “processo conhecimento” e “processo de execução” após as reformas empregadas pelas Leis n. 8.952/1994 (tutela específica das obrigações de fazer), 10.444/2002 (tutela específica das obrigações de dar coisa diversa de dinheiro) e 11.232/2005 (cumprimento de sentença). Reconheceu-se que “o processo voltava-se, a um só tempo, ao reconhecimento do direito aplicável à espécie (isto é, definir quem é merecedor da tutela jurisdicional) e à prática de atos voltados à satisfação do direito tal qual reconhecido”. Fala-se, assim, em sincretismo processual (mistura, mescla) justamente porque cognição e execução passaram a conviver em um mesmo ambiente (ou o mesmo processo). Hoje entende-se que, diferente da necessidade de diferentes “processos”, há diferentes etapas: uma de conhecimento (convencimento do juiz) e outra de cumprimento (satisfação do direito já reconhecido). Assim sendo, as atividades e as etapas (ou fases) de cognição e de execução são distintas, mas nem por isso se exige um processo autônomo para cada uma. No entanto, mesmo essas “etapas” não são necessariamente rigorosas. Basta lembrar da possibilidade legal de cumprimento provisório da tutela antecipada (SCARPINELLA BUENO, Cassio. Manual de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 377-379).
Sincretismo processual no CPC/2015. O CPC/2015 não alterou a evolução havida no CPC/1973 a partir das reformas legais das últimas duas décadas. O CPC/2015 adotou a autonomia do processo de execução em relação à execução de título extrajudicial. Por outro lado, há sincretismo processual na: a) execução que condena ao pagamento de soma em dinheiro (atenção: a sentença não pode ser executada ex officio, pois depende de pedido do exequente, conforme arts. 513, § 1º., e 523, caput, CPC); b) execução de sentença relativa a deveres de fazer, de não fazer e entregar coisa (arts. 536 a 538, CPC); e c) efetivação da tutela provisória (art. 297, CPC) (MEDINA, José Miguel Garcia. Direito processual civil moderno. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 913-914; ABELHA, Marcelo. Manual de direito processual civil. 6.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p 714-715; GAIO JÚNIOR, Antonio Pereira. Instituições de direito processual civil. 3.ed. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 765-767).
Sincretismo na jurisprudência do STJ. “A Lei n. 11.232/2005 trouxe novo paradigma ao Processo Civil brasileiro, que, a despeito de anteriormente segregar o processo executório do cognitivo e sujeitar o credor a outro processo verdadeiramente de conhecimento (embargos de devedor), passou a admitir que o cumprimento da sentença fosse efetivado no bojo da ação de conhecimento. Essa novel característica simboliza o sincretismo entre o processo de conhecimento, em que o juiz condena, e a execução, na qual o mesmo juiz possibilita o cumprimento da obrigação, no sentido de que o processo de conhecimento goza de “executividade intrínseca”. Logo, tendo em conta que o cumprimento da sentença nada mais é do que uma fase do processo cognitivo, revela-se desnecessária a intimação da parte, quer pessoal, quer pelas vias ordinárias, para esse mister, máxime porquanto a satisfação da obrigação é subjacente ao trânsito em julgado da sentença, cuja comunicação é obrigatória” (STJ, 1ª. Turma, AgRg no REsp 1080716/RJ, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, julgado em 15/10/2009, DJe 21/10/2009).
Editado por Vitor Fonsêca @vitormfonseca