Art. 139, IV, do CPC. Diz o dispositivo que o juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe “determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”. É a consagração na lei do princípio da atipicidade das formas executivas, “de forma que o juiz poderá aplicar qualquer medida executiva, mesmo que não expressamente consagrada em lei”. Exemplos: suspensão de CNH, retenção de passaporte, suspensão de cartões de crédito (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil comentado. 2.ed. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 251-253).
RHC 99.606 submetido ao Superior Tribunal de Justiça. No RHC n. 99.606 do STJ, julgado pela 3ª. Turma, os fatos são os seguintes: o juiz de primeiro grau suspendeu a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) do executado e condicionou o direito do paciente de deixar o país ao oferecimento de garantia, como meios de coerção indireta ao pagamento de dívida executada nos autos de cumprimento de sentença. O tribunal denegou a ordem de habeas corpus sob o fundamento de que esse remédio constitucional estaria sendo utilizado como “sucedâneo recursal”. Já no RHC impetrado no STJ, o impetrante alega que o HC é o remédio adequado para conter o abuso de poder ou o ilegal exercício de autoridade relacionado ao direito de ir e vir, verificado na hipótese concreta, em que houve a suspensão da CNH e a anotação de que somente poderia deixar o país caso oferecesse garantia à dívida exequenda.
Posição do STJ sobre o cabimento do habeas corpus. A Relatora Ministra Nancy Andrighi, seguindo a jurisprudência do próprio STJ, entendeu que a suspensão da CNH não configura ofensa direta e imediata à liberdade de locomoção do paciente. Por isso, nessa parte, não conheceu o HC. No entanto, para a Relatora, “a medida de anotação, pela Polícia Federal, de restrição de saída do país sem prévia garantia da execução, tem o condão, por outro lado – ainda que de forma potencial –, de ameaçar de forma direta e imediata o direito de ir e vir do paciente, pois o impede, durante o tempo em que vigente, de se locomover para onde bem entender”. Dessa forma, entendeu cabível o HC para decidir sobre a liberdade de locomoção pela anotação de restrição de saída do país sem prévia garantia da execução (Passaporte).
Posição do STJ sobre a aplicação da boa-fé e da cooperação processual na tutela executiva. O STJ deixou claro que novos princípios foram estabelecidos pelo legislador do Novo CPC com o propósito de garantir o direito das partes – e da sociedade – de obter, em prazo razoável, a resolução integral do litígio, inclusive com a atividade satisfativa. Entre esses princípios, encontram-se interligados o dever de boa-fé (objetiva) processual e o de cooperação das partes com o processo e seu resultado. Para o STJ, o CPC/15 cuidou, no que se refere à tutela executiva, de definir algumas condutas ilustrativas da materialização de citados princípios, tais como o art. 774, III e V; o art. 805, parágrafo único; e o art. 917, § 3º, todos do CPC/2015.
Posição do STJ sobre a interpretação do art. 139, IV, do CPC. Nesse acórdão da 3ª. Turma, o STJ entendeu que a atipicidade dos meios executivos, prevista no art. 139, IV, do CPC, “permite ao juiz, assim, adotar meios coercitivos indiretos sobre o ânimo do executado para que ele, voluntariamente, satisfaça a obrigação de pagar a quantia devida”. A Relatora disse ainda que “a coerção psicológica sobre o devedor agora é a regra geral da execução civil, pelo que se pode enunciar que, na ordem do CPC/15, vige o princípio da prevalência do cumprimento voluntário, ainda que não espontâneo, da obrigação”.
Posição do STJ sobre a necessidade de contraditório prévio e de fundamentação da decisão judicial na atipicidade dos meios executivos. O STJ ainda alinhou 2 exigências para que o juiz adote qualquer medida executiva atípica: 1) deve o juiz, a exemplo do que ocorre na execução de alimentos, intimar previamente o executado para pagar o débito, provar que já o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo, conforme disposto no art. 528 do CPC/15; 2) a decisão que autorizar a utilização de medidas coercitivas indiretas deve, ademais, ser fundamentada, não sendo suficiente para tanto a mera indicação ou reprodução do texto do art. 139, IV, do CPC/15 ou mesmo a invocação de conceitos jurídicos indeterminados.
Posição do STJ sobre a legalidade da suspensão do passaporte no caso concreto. Ao final do voto, a Relatora destacou a questão sobre a possibilidade ou não do bloqueio de passaporte para o pagamento da dívida como medida executiva atípica. Na hipótese concreta, a Relatora percebeu que o juiz não ofereceu a oportunidade do contraditório prévio. No entanto, entendeu a Relatora que o executado, quando impetrou o HC, também não apresentou outro meio menos oneroso e mais eficaz, como exige o parágrafo único do art. 805 do CPC (“Ao executado que alegar ser a medida executiva mais gravosa incumbe indicar outros meios mais eficazes e menos onerosos, sob pena de manutenção dos atos executivos já determinados”). Por isso, concluiu a Ministra: “Com efeito, sob a égide do CPC/15, não pode mais o executado se limitar a alegar a invalidade dos atos executivos, sobretudo na hipótese de adoção de meios que lhe sejam gravosos, sem apresentar proposta de cumprimento da obrigação exigida de forma que lhe seja menos onerosa, mas, ao mesmo tempo, mais eficaz à satisfação do crédito reconhecido do exequente. Como esse dever de boa-fé e de cooperação não foi atendido na hipótese concreta, não há manifesta ilegalidade ou abuso de poder a ser reconhecido pela via do habeas corpus, razão pela qual a ordem não pode ser concedida no ponto”. Por essas razões, o STJ negou a ordem de habeas corpus e manteve o bloqueio do passaporte.
Confira a íntegra do acórdão.
- Para saber mais: AZEVEDO, Júlio Camargo de; GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Um novo capítulo na história das medidas executivas atípicas; MARQUES NETO, Elias Marques et al. Medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias: há limites para o art. 139, IV?; MINAMI, M. Y. Breves apontamentos sobre a generalização das medidas de efetivação no CPC/2015: do processo para além da decisão. Execução (Coleção Novo CPC: Doutrina Selecionada). Coordenação de Fredie Didier Jr. et al. Salvador: JusPodivm, 2015; STRECK, Lênio Luiz; NUNES, Dierle. Como interpretar o artigo 139, IV, do CPC? Carta branca para o arbítrio?;